A Atuação da OAB Frente às Startups Jurídicas

Willian Pereira Rodrigues
Aluno do Curso de Bacharelado em Direito na Universidade de Pernambuco - Campus Arcoverde
E-mail: rb.epu|seugirdor.nailliw#rb.epu|seugirdor.nailliw

Palavras chave: lawtechs; legaltechs; OAB.

INTRODUÇÃO
O presente artigo tem o objetivo de abordar um pequeno recorte no mundo das startups, as que atuam na área jurídica, conhecidas também como lawtechs ou legaltechs e a atuação da OAB em relação a essas empresas. A pesquisa utilizou-se de artigos científicos, artigos em portais na internet e notícias colhidas no portal da OAB nacional. Também, analisa-se de forma não exaustiva o código de ética da OAB, a Lei N° 8.906/94 ou Estatuto da Advocacia e o Provimento N° 94/2000, também da OAB, no tocante às limitações desses dispositivos à atuação e criação de startups jurídicas.

ATUAÇÃO DA OAB CONTRA STARTUPS DO SETOR AÉREO
Em maio de 2020, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) pronunciou-se acerca da atuação predatória de determinadas startups do setor aéreo, que estariam oferencendo atividades jurídicas de forma ilegal, segundo a OAB (2020), causando graves danos e concorrência desleal a advocacia.

Até o momento de divulgação da nota, mais de 90 notificações foram enviadas a essas empresas, e o CFOAB (Coordenação Nacional de Fiscalização da Atividade Profissional da Advocacia do Conselho Federal) está fazendo a análise e acompanhamento das respostas para tomar procedimentos adequados no sentido de bloquear a atuação de empresas que violem a legislação. Segundo a OAB: “O trabalho abordará a atuação dessas startups na captação de clientes, publicidade irregular, venda de serviços jurídicos por não-advogados e violação ao código de defesa do consumidor por meio da negociação de direitos de clientes lesados em processos.” (OAB, 2020).

A AB2L (Associação Brasileira de Lawtechs e Legaltechs) posicionou-se a favor da OAB e da punição das startups ilegais, esclarecendo, no entanto, que é necessário “separar o joio do trigo”. Segundo a associação, muitas empresas têm atuado, de fato, em desconformidade com a Lei 8.906/94, apesar disso, a maioria das lawtechs atua em colaboração da atividade advocatícia ajudando os profissionais em diversas atividades. (AB2L, 2020).

Interessante notar que já houve caso similar no passado. A YouLaw buscava facilitar o acesso aos juizados especiais cíveis sem necessariamente a presença de um advogado. O usuário inseria suas informações pessoais, os dados da empresa contra a qual queria mover a ação, e suas respectivas reclamações no sistema, que emitia uma petição inicial nos moldes desse tipo de processo. (MACIEL; TIBÚRCIO, 2019).

Em 2012 OAB/RJ moveu ação de conhecimento contra a YouLaw, alegando captação irregular de clientela. Para a OAB/RJ, a prática caracterizaria mercantilização de advocacia e desequilíbrio entre os profissionais do direito. A empresa foi condenada em segunda instância a pagar R$ 20.000 (vinte mil reais) para cada descumprimento e o processo transitou em julgado em 2016. (MACIEL; TIBÚRCIO, 2019).

Nesse respeito, surgem perguntas relevantes, como o limite legal para a atuação das lawtechs no mercado brasileiro, com base no art. 1° da Lei 8.906 de 04 de julho de 1994, que define o que são atividades privativas de advogados, bem como resoluções e o Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil - OAB. Além disso, outro questionamento trazido por este artigo é o posicionamento da OAB sobre a atuação das empresas citadas no mercado brasileiro.

DEFINIÇÃO DE LAWTECHS/LEGALTECHS
Para tentar responder esses questionamentos, é preciso primeiro esclarecer o que são Lawtechs ou Legaltechs. A Associação Brasileira de Lawtechs e Legaltechs (AB2L) foi criada em 2017 com o objetivo de facilitar o diálogo entre os diversos tipos de instituições jurídicas e operadores do direito, e também “incentivar as boas práticas e contribuir com esse momento de grandes transformações tecnológicas: a quarta revolução industrial.” (AB2L, 2020). Para essa associação, os dois termos são sinônimos.

Segundo Daniel Marques (Diretor da AB2L) e Lívia Carolina (Head de operações da AB2L), “são empresas de tecnologia voltadas a inovação e disrupção jurídica” (2020). Atuam no cenário jurídico principalmente nas áreas de: Automação de peças processuais; plataformas de conexão entre clientes e advogados; gestão de departamentos jurídicos; ferramentas para a satisfação de dúvidas sem o intermédio de juristas e localização de dados eletrônicos com a intenção de utilizá-los como provas (e-discovery) (INHANDS, 2020).

Essas empresas são exemplos de startups, modelos de negócios que têm como característica o baixo custo inicial, pretensão de uma alta rentabilidade e foco na resolução de problemas dos seus clientes.

LEGISLAÇÕES PERTINENTES
As atividades privativas de advogados são descritas na Lei 8.906/94:

Art. 1º São atividades privativas de advocacia: I - a postulação a qualquer órgão do Poder Judiciário e aos juizados especiais; (Vide ADIN 1.127-8) II - as atividades de consultoria, assessoria e direção jurídicas. § 1º Não se inclui na atividade privativa de advocacia a impetração de habeas corpus em qualquer instância ou tribunal. § 2º Os atos e contratos constitutivos de pessoas jurídicas, sob pena de nulidade, só podem ser admitidos a registro, nos órgãos competentes, quando visados por advogados. § 3º É vedada a divulgação de advocacia em conjunto com outra atividade. (BRASIL, 2020).

A descrição do que são atividades privativas de advogados já limita a criação de alguma startups, pois o ingresso em juízo e a assessoria jurídicas só podem ser executados por advogados.

Em seu art. 16, o estatuto da advocacia traz mais restrições:

Art. 16. Não são admitidas a registro nem podem funcionar todas as espécies de sociedades de advogados que apresentem forma ou características de sociedade empresária, que adotem denominação de fantasia, que realizem atividades estranhas à advocacia, que incluam como sócio ou titular de sociedade unipessoal de advocacia pessoa não inscrita como advogado ou totalmente proibida de advogar. (BRASIL, 2020).

Conforme destacado por Maciel e Tibúrcio (2019), o artigo não deixa claro o que seria atividade estranha à advocacia. Existem atividades complementares a prestação de serviços jurídicos que são importantes para a prestação de uma boa atividade jurídica. Mas não fica claro no artigo supracitado se seriam permitidas essas atividades complementares, da mesma forma que não fica claro se podem ser usados recursos tecnológicos para a realização de atividades advocatícias ou, se possível, quais seriam os limites dessa atuação.

O Provimento N° 94/2000, do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, em seu art. 6°, alínea d, determina que é proibida, para fins publicitários, a divulgação de atividades por meio de intermediários. (MACIEL; TIBÚRCIO, 2019). Isso também limita as startups jurídicas na divulgação dos seus serviços; a plataforma utilizada pode ser considerada um intermediário. Não é incomum que as Ordens de Advogados se posicionem de forma contrária às startups, sob a alegação de publicidade irregular.

Cabe também citar o Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil - OAB, que traz a seguinte redação em seu art. 5°: “O exercício da advocacia é incompatível com qualquer procedimento de mercantilização.” (OAB, 2020). O conceito de mercantilização da advocacia é vago, dando margem à subjetividade da interpretação (MACIEL; TIBÚRCIO, 2019), e isso pode vir a ser usado como argumento para limitação da atuação das startups jurídicas.

As restrições destacadas, por vezes são inespecíficas quanto ao tipo de serviço ou atuação que seriam irregulares no âmbito das startups jurídicas. Mas não raro não utilizadas contras as mesmas para alegar a ilicitude da atuação no mercado.

Convém destacar que há sim um interesse da OAB em criar um novo provimento para regular a publicidade na advocacia, manifesto na realização de audiências públicas, como aduz Ary Raghiant Neto: “[…] sentimos a necessidade de fazermos uma adequação do provimento (que regula a publicidade). Por isso, resolvemos realizar essas audiências públicas para ouvir quem deve ser ouvido: os advogados.” (OAB, 2020).

Espera-se que a atuação se desdobre como um acompanhamento da Ordem dos Advogados do Brasil, melhorando o relacionamento entre essa e as startups jurídicas, no sentido do respeito às atividades advocatícias já consolidadas, mas também uma abertura de mercado às startups jurídicas, possibilitando inovação e celeridade nos processos, decisões e no trabalho dos juristas.

A perspectiva é de que as novas tecnologias nesse ramo venham a ajudar os profissionais do direito ao invés de substituí-los, valorizando suas atividades, expandindo suas áreas de atuação e fazendo com que atividades repetitivas sejam realizadas por sistemas e não por pessoas. (CASTRO, 2018).

CONCLUSÕES
Através desta pesquisa não exaustiva sobre o tema, nota-se que existem conceitos indeterminados nas legislações sobre o exercício da atividade advocatícia. Expressões como “atividades estranhas à advocacia” (art. 16 da Lei 8.906/94), “mercantilização da advocacia” (art. 5° do Código de Ética e disciplina da OAB) são usadas para justificar processos jurídicos contra as lawtechs. Além disso, outros dispositivos como: a vedação de intermediários na divulgação das atividades (Provimento N° 94/2000 da OAB) e a definição do que são atividades privativas de advogados no art. 1° da Lei 8.906/94, também limitam a atuação dessas startups.

Apesar disso, nota-se que há interesse da OAB em criar um novo Provimento que esclareça limites de atuação para advogados e startups desse meio, realizando audiências para ouvir os próprios profissionais do direito. O que é benéfico, tendo em vista os vários campos em que as lawtechs podem atuar substituindo advogados e profissionais do direito em tarefas repetitivas. Pois o desenvolvimento tecnológico já molda a dinâmica de trabalho atual e como a gota de chuva que desce o vale, tem trajetória imprevisível, mas a direção que segue é geralmente inevitável. (KELLY, 2020).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE LAWTECHS E LEGALTECHS - AB2L. OAB fecha o cerco contra lawtechs que atuam fora da lei!. Disponível em: https://ab2l.org.br/oab-fecha-o-cerco-contra-lawtechs-que-atuam-fora-da-lei/. Acesso em: 15/10/2020.

BRASIL. Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Lei N° 8.906, de 04 de julho de 1994. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8906.htm. Acesso em: 05/11/2020.

BRASIL. Provimento No. 94/2000. Publicidade, propaganda e a informação da advocacia. Disponível em: https://www.oabsp.org.br/noticias/2000/09/13/689/. Acesso em: 11/11/2020.

CAROLINA, Lívia. MARQUES, Daniel. Lawtechs e Legaltechs: O início da disrupção no direito. Disponível em: https://issuu.com/hub.magazine/docs/hubmag_3ed. Acesso em: 14/10/2020.

CASTRO, Letícia de Oliveira. O sistema jurídico brasileiro e as inovações tecnológicas: cenário jurídico face as lawtechs e legaltechs. Monografia (Curso de Direito) - Centro Universitário de Brasília (UniCEUB). Brasília, p. 56. 2018.

INHANDS. Legaltech: afinal, o que são e o que fazem? Disponível em: https://inhands.jusbrasil.com.br/artigos/478221697/legaltech-afinal-o-que-sao-e-o-que-fazem?ref=serp. Acesso em: 29/10/2020.

KELLY, Kevin. How AI can bring on a second Industrial Revolution. TED. Disponível em: https://www.ted.com/talks/kevin_kelly_how_ai_can_bring_on_a_second_industrial_revolution?utm_campaign=tedspread&utm_medium=referral&utm_source=tedcomshare#t-59497. Acesso em: 20/11/2020.

MACIEL, Ana Luiza Melo; TIBÚRCIO, Pollyana Presotti. Tecnologia e o futuro da advocacia. Direito, Tecnologia e Globalização. Editora Fi. Porto Alegre: 2019. p. 73-97.

ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL - OAB. OAB age para enfrentar atuaçãopredatória de startups que oferecem serviços jurídicos de maneira ilegal. Disponível em: https://www.oab.org.br/noticia/58145/oab-age-para-enfrentar-atuacao-predatoria-de-startups-que-oferecem-servicos-juridicos-de-maneira-ilegal?argumentoPesquisa=startups. Acesso em: 15/10/2020.

ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL - OAB. Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil - OAB. Resolução N° 02/2015. Disponível em: https://www.oabpe.org.br/wp-content/uploads/2011/10/novo-ced.pdf. Acesso em 11/11/2020.

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