Propriedade Virtual

Aspectos Conflitantes Envolvendo Serviços Digitais

Autor: Felipe Barbosa
Revisor: Agenor Henrique Leite

Procura-se, através do presente artigo, esclarecer e promover alguns questionamentos envolvendo o Direito Virtual e as disciplinas legais que versam sobre o instituto da posse e da propriedade no Direito Brasileiro.

No direito brasileiro, as normas que disciplinam os direitos reais, protetoras dos bens corpóreos, encontram-se elencadas no Livro III do Código Civil brasileiro de 2002. Através do sucinto trabalho, abordaremos questões relativas a: correio eletrônico, proteção possessória de arquivos eletrônicos e possibilidade de usucapião sobre determinado conteúdo circulado na rede mundial de computadores.

Importante destacar que, por se tratar de artigo, não abordaremos a matéria de forma aprofundada, tendo em vista que o tema em si (Propriedade Virtual) é demasiado extenso.
Desta forma, abordaremos a respeito do estudo da posse e da propriedade no Direito Virtual, em situações práticas diárias no mundo cibernético.

Dentre a posse e a propriedade, seria impossível tratar de um instituto sem que o outro esteja diretamente ou indiretamente ligado, tendo em vista a relação estreita que existe entre os dois, porém cada um possuindo sua natureza jurídica própria.

O Código Civil Brasileiro de 2002, precisamente em seu artigo 1.196, trata:

Art. 1.196. Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade.

Os poderes que versam sobre a propriedade estão elencados no art. 1228, in verbis:

Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.

Desta forma, podemos dizer que pra ser possuidor não é imprescindível o efetivo exercício de todos os poderes inerentes à propriedade, tendo que apenas existir a presença de um deles para que se possa atribuir o rol taxativo de possuidor.

No presente artigo, nos limitaremos a tratar apenas do direito de usar, este facilmente de se caracterizar o possuidor, tendo em vista que quem possui o direito intrínseco de usufruir de um bem ou serviço pode ser considerado como possuidor permanente ou temporário, dependendo do caso em concreto.

Através dessa premissa, levanta-se o questionamento se o usuário de páginas de internet, de arquivos eletrônicos ou de e-mail, gozando da condição de possuidor, poderia requerer, através das medidas legais cabíveis, a proteção dos interditos possessórios e até de usucapião dentre o lapso temporal do uso exercido.

Não poderíamos deixar de citar o caso da Wikileaks1, onde o desenvolvedor do site foi preso por ter divulgado inúmeras correspondências confidenciais do governo americano, na internet, precisamente mais de 250 mil correspondências diplomáticas norte-americanas, o que gerou críticas de governos de todo o mundo.

Nesse caso, essas correspondências diplomáticas já circularam o mundo todo através da rede mundial de computadores, onde podemos afirmar que o proprietário de fato do e-mail confidencial, não goza mais de sua condição de possuidor logo após que começaram a circular de forma desenfreada as informações na internet.

Tratando-se de governo, achar um modo de se resolver é extremamente fácil, tendo em vista que um diplomata não vai processar o próprio governo pela falha na segurança eletrônica, ao deixar um desconhecido tomar posse de suas informações confidenciais.

Agora, vamos dizer que um programador, após ser contratado por uma distribuidora de alimentos de grande porte no mercado, desenvolve um programa de acompanhamento de mercado, constando diversas ferramentas e opções, após desenvolver o sistema e durante o período de crescimento da empresa, a mesma é invadida e tomam posse de diversas informações confidencias de mercado, conjuntamente com o sistema desenvolvido.

A quem caberia ser responsabilizado pelo vazamento das informações? O responsável pela parte de tecnologia da informação da empresa, o desenvolvedor do software, os funcionários que não usaram o sistema de forma adequada?

Tais questionamentos são demasiado primitivos dentre a doutrina, para poder achar uma resposta coesa e concreta. A única certeza que se pode dar é que a efetiva posse das informações confidenciais da empresa já não é mais de quem a criou.

Em se perdendo a posse, podemos dizer que o direito sobre a propriedade encontra-se prejudicado em tese. O termo propriedade conforme o caso supracitado, abrange o poder tanto sobre bens corpóreos quanto sobre o de bens incorpóreos, esses, a título de exemplo, como o uso de linha telefônica e o direito de marcas e patentes.

O artigo 1379 do Código Civil Brasileiro de 2002 vem expor a possibilidade de usucapião de servidão de trânsito aparente, esta sendo, na verdade, a possibilidade de usucapir o direito incorpóreo de uso, in verbis:

Art. 1.379. O exercício incontestado e contínuo de uma servidão aparente, por dez anos, nos termos do art. 1.242, autoriza o interessado a registrá-la em seu nome no Registro de Imóveis, valendo-lhe como título a sentença que julgar consumado a usucapião.

Parágrafo único. Se o possuidor não tiver título, o prazo da usucapião será de vinte anos.

Desta forma, através de aparente analogia, existindo o exercício do jus utendi, reconhece-se a capacidade de se atribuir a alguém a condição de possuidor, com todos os seus direitos e deveres inerentes à posse.

Diante dessa premissa, podemos dizer que o usuário de bens e serviços imateriais e virtuais pode ser configurado como possuidor, com os devidos efeitos previstos em lei.

O exemplo mais relevante a se tratar é o do jogo virtual chamado Second Life2, onde o usuário constrói uma vida virtual, comprando terrenos para moradia, construindo objetos virtualmente, podendo estes, caso surja interesse de algum jogador, serem comercializados na vida real.

Tratando-se de um jogo completamente amplo e dotado de extrema liberdade para o usuário utilizar dos recursos oferecidos, dando-se o inicio ao jogo através de um consentimento de um termo de acordo, este praticamente um contrato aditivo, pois o consumidor em si, não discute nenhuma cláusula virtual do contrato, acabando por gerar demasiados conflitos.

No ano passado, acabou por circular na rede, a insatisfação de alguns jogadores ao comprarem pedaço de terra virtual no jogo, onde os usuários alegam violação às leis de proteção do consumidor da Califórnia, nos Estados Unidos.

A tamanha insatisfação com a empresa responsável Linden Labs, avaliada atualmente em US$ 383 milhões, foi porque o novo termo de uso de serviço acabou por retirar as terras virtuais que eram dos usuários, alterando assim os seus direitos à propriedade, constituindo uma alteração contratual unilateral no termo de serviço, com isso alegam existência de fraude no jogo Second Life, posto que nem sequer foram avisados da alteração, muito menos concordado com a mesma.

Diante desse fato existente, é de se levantar o questionamento: quem de fato é o dono dos bens virtuais? Os criadores ou as pessoas que pagaram o dinheiro virtual por eles?

Importante destacar que no novo termo de contrato existia a seguinte cláusula:

A terra e seus donos não possuíam o que eles tinham criado, comprado, e que esses consumidores não têm opção a não ser clicar no novo contrato de uso do serviço ou não poderão acessar a propriedade.

Determinada cláusula não poderia ter outra denominação além de abusiva, tendo em vista que o usuário não poderá usufruir de nada do que havia criado anteriormente.

Além da clausula abusiva, a empresa acabou congelando as contas dos usuários, apagando ou convertendo dinheiro e propriedades virtuais, sem elaborar nenhuma notificação ou dar oportunidade de se discutir na justiça, sobre quem de fato teria direito sobre as propriedades e as ilegalidades no termo de serviço pactuado entre os usuários e o fornecedor do serviço.

Caso o fato fosse gerado por usuários do Brasil, utilizando o jogo, além do existente conflito de competência e jurisdição, tendo de se observar o local onde o provedor está situado, para saber qual a lei que iria vigorar para abordar a lide, digamos que o provedor esteja situado em terras
brasileiras, dessa forma a legislação vigente para se discutir o contrato seria a legislação pátria.

Com isso, eis que levantamos a seguinte indagação: os usuários que tiverem suas propriedades territoriais virtuais violadas, estariam abordados pelo instituto do usucapião caso preenchesse os requisitos legais?

O principal aspecto a se levar em consideração é que o direito de propriedade de conteúdos virtuais usufrui de proteção constitucional, e como qualquer direito de propriedade, deve atender também a sua função social.

Importante para ao presente artigo, expor os ensinamentos do renomado doutrinador Nélson Rosenvald, definindo a função social da propriedade, eis o trecho:

A locução função social traduz o comportamento regular do proprietário, exigindo que ele atue numa dimensão na qual realize interesses sociais, sem a eliminação do direito privado do bem que lhe assegure as faculdades de uso, gozo e disposição. Vale dizer, a propriedade se mantém privada e livremente transmissível, porém detendo finalidade econômica adequada às atividades urbanas e rurais básicas, no intuito de circular riquezas e gerar empregos.

Diante das enormes possibilidades existentes dentre o jogo Second File, caso o usuário utilizasse dos recursos do jogo pra divulgar sua marca de roupa, desenvolver virtualmente o produto e fechar negócios, parcerias, vender seus produtos através do jogo para o usuário os utilizar na vida real, acabaria por prejudicar os seus interesses sociais.

Com isso, acreditamos que a função social da propriedade estaria sendo atingida, posto o cumprimento do dever conferido ao titular da propriedade de destinar função compatível com suas potencialidades.

CONCLUSÃO

Através do presente artigo, abordamos de forma sucinta dois casos existentes na sociedade mundial, onde se pode verificar que a legislação em si sobre propriedade virtual, além de ser muito deficiente, não existe um controle efetivo pela justiça para que sejam mantidos e observados os princípios basilares do direito e os ditames legais existentes dos conflitos virtuais.

Acrescente-se ao fato de que não possuímos legislação própria que verse especificamente sobre a internet, porém esse óbice deve estar perto de deixar de existir, e assim o sendo, imperiosa a criação de uma agência reguladora dos serviços prestados dentre a rede mundial de computadores.

REFERÊNCIAS

ROSENVALD, Nélson. Direitos reais. 5. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2008.

[http://noticias.r7.com/tecnologia-e-ciencia/noticias/usuarios-processam-criador-do-second-life-por-pedaco-de-terra-virtual-20100503.html]

[http://pt.wikipedia.org/wiki/WikiLeaks]

[http://pt.wikipedia.org/wiki/Second_life]

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