LGPD E A PROTEÇÃO DE DADOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES: uma análise crítica do artigo 14.

LGPD E A PROTEÇÃO DE DADOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES: uma análise crítica do artigo 14.

Pedro Henrique Goveia de Lima*
*Estudante de graduação na Universidade de Pernambuco – UPE (Campus Arcoverde). e-mail <rb.epu|aievogeuqirneh.ordep#rb.epu|aievogeuqirneh.ordep>

Resumo: O presente artigo buscou investigar o artigo 14 da Lei 13.709/2018, ou Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) no que diz respeito à eficiência sobre o tratamento de dados pessoais de crianças e adolescentes. O objetivo era atestar pela suficiência ou insuficiência do objeto em cumprir sua função enquanto lei de maneira adequada. Para isso foram utilizados o método misto e a pesquisa bibliográfica e documental, além da análise de dados para correlacionar o tema com a realidade. Descobriu-se que os parágrafos 1º e 5º, esse por ser muito genérico em seu texto e aquele por excluir os adolescentes de uma proteção específica, foram os que tem problemas mais evidentes e profundos. Foi possível concluir que o artigo 14 da LGPD não é capaz de cumprir adequadamente o que se propõe, e por isso, a proteção de dados pessoais de crianças e adolescentes no Brasil pela LGPD não resguarda suficientemente os direitos desse grupo.

Palavras-chave: LGPD. Dados Pessoais. Crianças e Adolescentes. Tratamento de Dados.

1.INTRODUÇÃO

A preocupação com o tratamento dos dados pessoais da população dentro da internet não é algo tão recente, mas, nos últimos anos, obras como o documentário “O dilema das redes” da Netflix (2020) e grandes escândalos como o vazamento de dados de 50 milhões de usuários do Facebook para a Cambridge Analytica em 2018, G1 (2018), da venda de dados pelo TikTok em 2019/2020 (ARBULU, 2020) e o vazamento em massa de dados pessoais de 235 milhões de usuários das redes Instagram, TikTok e YouTube, descoberto em agosto de 2020 (WINDER, 2020), mudaram a percepção das pessoas quanto à segurança de suas informações pessoais depositadas em meio digital.

Logicamente, dentro desse grande grupo de usuários existiam indivíduos menores de 18 anos, por isso, em face da condição peculiar de pessoa em desenvolvimento desses, a segurança dos dados pessoais de crianças e adolescentes também se tornou uma questão extremamente relevante.

Nesse contexto, a Lei 13.709/2018, que finalmente entrou em vigência no ano de 2020, entendeu pela necessidade de dar proteção específica para os dados pessoais da população infanto-juvenil, é tanto que trouxe um dispositivo específico sobre o tratamento de dados pessoais de crianças e adolescentes, o artigo 14.

Portanto, o presente texto busca entender se o artigo 14 da LGPD está de acordo com a sua própria finalidade, que é proteger os dados pessoais de crianças e adolescentes. Sendo assim, o objetivo principal é verificar se o artigo 14 é suficiente para garantir a proteção dos dados pessoais das crianças e adolescentes de uma forma ampla no meio digital brasileiro e os objetivos secundários são: compreender melhor os objetivos da LGPD e entender quais aspectos do artigo 14, podem ser a causa para a correta adequação ou não da lei a necessidade real para qual ela foi criada.

Para isso, a pesquisa objetiva explorar o tema, sendo essa conduzida por uma abordagem mista, usando-se, principalmente, as pesquisas bibliográfica e documental, a fim de entender a lei e conceitos a partir da visão de diferentes autores, e a análise de dados para entender aspectos, padrões e regras sobre o uso da internet por crianças e adolescentes no Brasil, extraindo assim, desses conceitos e dados as respostas desejadas.

A preocupação inicial foi a de entender conceitos gerais sobre a tutela de dados pessoais no Brasil e sobre a LGPD, seguidos de exploração sobre o tratamento específico de dados de crianças e adolescentes para então tentar encontrar no artigo 14 qualquer tipo de questão relevante quanto a possível ineficácia da lei em questão no que tange ao recorte da tutela de dados pessoais da população infanto-juvenil.

2.NOÇÕES GERAIS

Em um primeiro momento, este tópico buscará deixar claro a posição de repúdio a tecnofobia no direito e entender um pouco mais sobre a LGPD de uma forma geral, visto que as novas tecnologias trouxeram verdadeira revolução e que facilitaram diversos aspectos da vida humana, sendo necessário combater apenas o mal uso dessas, para que as novas tecnologias possam nos servir cada vez melhor, assim considera-se correto o seguinte:

"Os grandes volumes de dados tendem a representar um potencial incrível para a saúde pública, segurança nacional e investigação policial ou proteção ambiental e eficiência econômica; no entanto, essa informação massiva implica também o aumento dos riscos para a privacidade das pessoas, pelo que a sua utilização deve ser conciliada com os seus direitos." (PINO ESTRADA, 2017, p. 10)

Um dos focos desse debate sobre bom ou mal uso da tecnologia na contemporaneidade é sobre o tratamento adequado de dados pessoais de usuários da internet por grandes empresas de tecnologia e as consequências negativas que um tratamento inadequado pode trazer para a vida desses indivíduos, sobre isso:

"O direito e a discussão acerca da proteção dos dados pessoais, aflora com a sociedade da informação, como uma forma de se tutelar a personalidade do indivíduo, contra os principais riscos de sua violação, como são os casos de cruzamentos de bancos de dados e metadados para formar de um perfil de consumo dos indivíduos e assim gerar e expandir mais recursos para empresas em geral […]" (TATEOKI, 2017, p. 66)

Não obstante, essa discussão existe fortemente no Brasil, principalmente depois da Lei 13.709/2018 ou Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) ter entrado em vigência, mas já faz um bom tempo que juristas brasileiros debatem sobre como deveria se dar a construção de uma lei como a anteriormente citada, sobre esses aspectos motivaram a criação de uma lei como essa é correto o que traz Doneda (2011, p. 103):

"No panorama do ordenamento brasileiro, o reconhecimento da proteção de dados como um direito autônomo e fundamental não deriva de uma dicção explícita e literal, porém da consideração dos riscos que o tratamento automatizado traz à proteção da personalidade à luz das garantias constitucionais de igualdade substancial, liberdade e dignidade da pessoa humana, juntamente com a proteção da intimidade e da vida privada"

É importante ressaltar que o paradigma principal da LGPD para o tratamento de dados pessoais foi o consentimento dos usuários, o significado desse pode ser entendido como “Manifestação livre, informada e inequívoca pela qual o titular concorda com o tratamento de seus dados pessoais para uma finalidade determinada. Não é o único motivo que autoriza o tratamento de dados, mas apenas uma das hipóteses.” (PINHEIRO, 2020, p. 29)

Enquanto que o principal bem jurídico que a lei busca resguardar são os dados pessoais dos cidadãos, sobre o que se pode entender por esses considera-se certa a seguinte definição:

"Toda informação relacionada a uma pessoa identificada ou identificável, não se limitando, portanto, a nome, sobrenome, apelido, idade, endereço residencial ou eletrônico, podendo incluir dados de localização, placas de automóvel, perfis de compras, número do Internet Protocol (IP), dados acadêmicos, histórico de compras, entre outros. Sempre relacionados a pessoa natural viva." (PINHEIRO, 2020, p. 28)

Em um segundo momento, esse tópico buscará entender mais sobre a parte específica para a população infanto-juvenil na lei 13.709/2018, no caso o artigo 14, e por isso faz-se indispensável entender o porquê da necessidade de um dispositivo específico para o tratamento de dados de crianças e adolescentes, norteando-se pela percepção da alta inclusão desse grupo de indivíduos no meio digital e a relação desse fato com a vulnerabilidade dos mesmos nesse ambiente, a esse respeito é precisa a afirmação de Botelho (2020, p.198) “Duas categorias de pessoas, a saber, as crianças e os adolescentes, consideradas nativas digitais, já que nasceram em um átimo da história em que as tecnologias eram realidades diuturnas, estão mais sujeitas aos problemas que podem advir da sociedade digital.”.

Nesse sentindo, ainda pode-se reforçar o que já foi dito anteriormente com o que mostra a pesquisa CETIC – TIC Kids Online 2018, realizada com crianças e adolescentes entre 9 e 17 anos, a qual informa que 82% dos entrevistados possuem redes sociais e que 75% dos mesmos acessam a internet mais de uma vez por dia e com o seguinte entendimento:

"No mundo atual, as crianças e os adolescentes cada vez mais acessam a internet para jogar vídeo games, entrar em redes sociais, navegar na web etc. Por conta disso eles correm o maior risco de terem seus dados pessoais tratados de forma indevida, razão pela qual, a legislação brasileira determinou uma proteção maior, em uma categoria especial de proteção de dados pessoais para eles. A LGPD, nesse aspecto, estabelece de forma detalhada em seu artigo 14 como deverá ser feito o tratamento dos dados pessoais das crianças e dos adolescentes, determinando que o tratamento seja realizado em seu melhor interesse, respeitando a legislação pertinente. Nesse sentido, não só deve ser respeitado o disposto na LGPD, mas também devem ser respeitados o Estatuto da Criança e do Adolescente, a Convenção sobre os Direitos das Crianças, bem como o artigo 227 da Constituição Federal" (JUNIOR; NASCIMENTO e FULLER, 2020, p. 16-17)

Porém, agora faz-se essencial ressaltar que para compreender se a LGPD cumpre seu objetivo quanto à tutela dos dados pessoais de crianças e adolescentes é preciso identificar qual é esse objetivo. Para isso, usaremos o próprio texto da Lei 13.709/2018, especificamente o caput do artigo 14, que diz “O tratamento de dados pessoais de crianças e de adolescentes deverá ser realizado em seu melhor interesse, nos termos deste artigo e da legislação pertinente.” (Brasil, 2018). Ou seja, para o artigo citado o tratamento de dados de menores de 18 anos deverá seguir a lógica de sempre ser favorável para o indivíduo, de preferência o mais favorável possível e quando não puder ser benéfica também não poderá causar malefícios de modo que fira seus direitos como pessoa humana.

Já que foram citados os malefícios de um tratamento realizado seu buscar o melhor interesse das crianças e dos adolescentes e tendo em vista todos os outros aspectos já mencionados, resta entender quais os riscos a que estão expostos os infantes, para isso tem-se o seguinte:

"A quantidade crescente de dados pessoais de crianças e adolescentes expostos na internet, é o motivo da presente reflexão, e o núcleo central das preocupações sobre os riscos de privacidade on-line, como exploração comercial e uso indevido de dados pessoais, perfil, roubo de identidade, perda de reputação e discriminação em relação aos menores de idade." (MOZETIC; BABARESCO, 2019, p. 2)

Por fim, o tópico tratará da questão da dificuldade da legislação em se adaptar as mudanças advindas das novas tecnologias, reconhecendo a dificuldade existente da lei em acompanhar a evolução do mundo atual, logo, “Os avanços tecnológicos já ultrapassaram claramente os quadros legais existentes, criando uma tensão entre inovação e privacidade, sempre que as leis não refletem os novos contextos sociais e não garantem os direitos dos cidadãos.” (PINO ESTRADA, 2017, p. 10-11).

3.DO SILÊNCIO SOBRE OS ADOLESCENTES NO § 1º

Uma vez estabelecidos conhecimentos básicos sobre tratamento de dados pessoais, sobre a Lei Geral de Proteção de Dados e sobre o que a LGPD traz em matéria de proteção específica para os dados pessoais de crianças e adolescentes, é cabido agora buscar um melhor entendimento sobre essa última questão e suas implicações.

Ficou claro que uma das críticas mais feitas ao artigo 14 da Lei 13.709/2018 foi em relação a ausência do termo adolescente no § 1º, o qual segue “§ 1º O tratamento de dados pessoais de crianças deverá ser realizado com o consentimento específico e em destaque dado por pelo menos um dos pais ou pelo responsável legal” (Brasil, 2018), uma vez que o caput do dispositivo traz o termo, deixando assim entendido que os adolescentes devem ter, como já visto, o tratamento de dado pessoais baseado pelo princípio do melhor interesse, porém, também deixando claro que os mesmos não precisam do consentimento dado pelos pais ou responsáveis e tem autonomia para consentir nesse caso, sobre isso:

"[…] a LGPD deixa em aberto a forma que deverão ser tratados os dados pessoais dos adolescentes, entre 12 a 18 anos de idade, criando uma polemica no sentido de se abrir a possibilidade para que esses adolescentes deem o seu consentimento sem precisar de seus pais ou responsáveis legais." (JUNIOR; NASCIMENTO e FULLER, 2020, p.18)

Partindo desse ponto, é válido delimitar a distinção entre criança e adolescente feita pelo ECA “Art. 2º Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade.” (Brasil, 1990). Ou seja, para a LGPD apenas dos menores de 12 anos deve ser exigido o consentimento de pai ou responsável em relação ao tratamento de dados pessoais no ambiente digital, entendimento que está em desacordo com o que entende à lei europeia (GDPR) que inspirou em muito a lei brasileira (LGPD), uma vez que aquela estabelece, para a maioria dos países, em seu artigo 8º a obrigação do consentimento ser dado por pai ou responsável até os 16 anos de idade (União Europeia, 2018).

Não só isso, mas também há o problema desse entendimento da LGPD sobre a capacidade de consentimento de indivíduos a partir dos 12 anos a respeito do tratamento de seus dados é algo que está em discordância clara com o Código Civil (CC) brasileiro, uma vez que o CC estabelece em seu artigo 3º a característica etária relacionada a incapacidade civil absoluta, “Art. 3 o São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 (dezesseis) anos.” (Brasil, 2002) e em seu artigo 4º, caput e inciso I, estabelece o requisito etário para a incapacidade civil relativa, “Art. 4 o São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer: I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;”; ou seja, para o Código Civil de 2002, a capacidade para realizar atos da vida civil, tal qual dar o consentimento em sites a respeito da disponibilização para coleta e tratamento de seus dados pessoais, não é possível, em regra, até completados os 16 anos quando alguns atos poderão ser realizados, mas normalmente com o auxílio de um responsável, a fim de preservar o melhor interesse do jovem, reforça o que foi dito a seguinte colocação:

"Contudo, apesar da nobre intenção legislativa, percebemos pela simples leitura da lei algumas áreas de fragilidade. Por exemplo: o legislador, ao excluir o público adolescente do §1º do art. 14 da LGPD, que trata sobre o consentimento dos pais sobre os dados de seus filhos, pressupõe que esses jovens teriam capacidade para dispor de seus dados pessoais, diferentemente do consolidado entendimento jurídico brasileiro sobre a incapacidade civil." (YANDRA; SILVA; SANTOS, 2020, p. 233)

Portanto, a compreensão presente aqui é que houve erro claro ao excluir os adolescentes da necessidade de consentimento parental ou de responsável legal, uma vez que isso, além das outras complicações citadas, os excluem da proteção dos parágrafos do artigo 14, importantíssimos para a garantia da eficácia legal em cumprir seu objetivo principal, tal qual se tem:

"[…] assim como fez no caso das crianças, a LGPD deveria ter concedido aos adolescentes um tratamento especial, possibilitando o controle familiar de atos civis praticados pelo menor no âmbito da Internet, haja vista as características próprias da idade e seu desenvolvimento incompleto, ainda em fase de amadurecimento." (YANDRA; SILVA; SANTOS, 2020, p. 237)

Ademais, a ideia de Botelho (2020) que a aplicação de uma hermenêutica baseada no princípio do melhor interesse poderá proteger suficientemente o adolescente em situações onde o mesmo não esteja englobado dentro da LGPD, como no caso dos § 1º a 6º da LGPD, por falta de designação expressa da lei, aparenta ser parcialmente verídica, uma vez que estando a proteção positivada de fato em lei há substancialmente mais segurança e maior eficácia no cumprimento do objetivo que fundamenta a legislação em questão.

Porém, também não é necessário colocar crianças e adolescentes no mesmo lugar, é sabido que os jovens não são tão frágeis quanto os infantes, e por isso devem ter uma maior liberdade para desenvolverem-se enquanto cidadãos atuantes e conscientes da sociedade, não sendo excluída a necessidade de cuidado dos pais ou responsável no que diz respeito aos riscos do meio digital, sendo recomendado sempre o aconselhamento e a participação no uso da internet, ou seja, a necessidade de consentimento dado pelos pais ou responsáveis ao tratamento de dados pessoais de adolescentes não se trata de impedir um uso proveitoso desses ou tão pouco de impedir seu pleno desenvolvimento em um contexto em que estão tão inseridos e que participam tão efetivamente, mas sim de garantir o que objetiva a própria Lei Geral de Proteção de Dados, uma vez observada as características peculiares desse público específico, é tanto que “[…] o consentimento específico dos pais sobre a coleta dos dados pessoais dos jovens não impede a efetiva participação acompanhada destes na rede. A finalidade do consentimento parental não é restringir o acesso dos jovens à rede, mas protegê-los dela.” (YANDRA; SILVA; SANTOS, 2020, p. 236).

4.DA DIFICULDADE NA VERIFICAÇÃO DO CONSENTIMENTO DO RESPONSÁVEL NO § 5º

Uma vez explicada a questão do silêncio da lei quanto aos adolescentes a partir do § 1º do artigo 14 da LGPD, agora pode-se questionar outra decisão um tanto quanto problemática do mesmo artigo, que está no § 5º, o qual se tem “§ 5º O controlador deve realizar todos os esforços razoáveis para verificar que o consentimento a que se refere o § 1º deste artigo foi dado pelo responsável pela criança, consideradas as tecnologias disponíveis.” (Brasil, 2018). Portanto, esse tópico se dedica, principalmente, a demonstrar a dificuldade de verificar se o consentimento realmente foi dado por um dos pais ou pelo responsável da criança, começando por questionar a forma vaga da lei ao se contentar em trazer “tecnologias disponíveis” como explicação para um problema extremamente complexo e depois partindo para uma questão da real participação dos pais quanto ao uso de internet dos filhos.

Inicialmente, há de se explorar a questão de a lei ser muito vaga quando diz “consideradas as tecnologias disponíveis” não deixando claro quais são essas tecnologias, ou seja, ela trata de uma questão complexa sem dizer como resolvê-la ou identificar onde pode-se achar a melhor maneira, nesse sentido tem-se:

"A LGPD estabelece um requisito geral para verificar o consentimento dos pais, tendo em conta a tecnologia disponível.³¹ Os mecanismos específicos de consentimento dos pais que podem ser utilizados pelos controladores e operadores de dados para estar em conformidade com a lei não são especificados. São os métodos de consentimento dos pais considerados aceitáveis à luz da tecnologia disponível para garantir quem é a pessoa que dá consentimento?" (MOZETIC; BABARESCO, 2019, p. 11)

Ou seja, o § 5º traz uma previsão necessária para consolidar o objetivo da LGPD no tratamento específico para os dados pessoais de crianças, mas não tem substância suficiente para garantir de fato que esse objetivo será alcançado por “fraqueza” da lei. Alguns autores corroboram a ideia de que a verificação de que o consentimento foi dado por pai ou responsável é algo complexo por si só, como segue:

"Além disso, conforme estabelece o § 5º do artigo 14, deve o controlador realizar todos os esforços necessários para verificar se o consentimento foi dado pelo responsável pela criança, consideradas as tecnologias disponíveis. Surge daí mais um problema no que tange à essa verificação, pois se trata de um controle quase que impossível" (BARRETO JUNIOR; AZEVEDO; FULLER, 2020, p.1)

E também é possível complementar o que já foi dito com o seguinte:

"Outro ponto de destaque é o disposto no §5º deste mesmo artigo, o qual entende que os provedores de Internet estariam qualificados a oferecer meios eficientes para assegurar que quem consentiu foi o pai do menor e não o próprio menor. A previsão, no entanto, não oferece qualquer diretriz aos provedores de Internet, e desconsidera a complexidade de tal exigência em um ambiente digital." (YANDRA; SILVA; SANTOS, 2020, p. 233)

No mais, o dispositivo legal questionado nesse tópico encontra outro desfio, a realidade social e cultural do uso da internet no Brasil atualmente. Mais precisamente em relação ao cuidado e participação dos pais em relação ao uso de internet pelos filhos, não é preciso só monitorar, mas também educar a população infanto-juvenil a fim de melhor protegê-la dos perigos a que seus dados pessoais podem estar expostos, sendo indispensável um meio eficaz de garantir que o consentimento parental realmente foi dado da maneira correta. “Isso porque o ambiente digital possibilita inúmeros meios de burlar os procedimentos de identificação; dessa forma, cabe aos controladores garantir que o consentimento é real e válido” (PINHEIRO, 2020, p. 78), ou seja, para a autora Patrica Peck Pinheiro, a responsabilidade do controlador é clara, o que encontra empecilho no problema já mencionado da lei não dizer como fazer isso.

Ainda sobre a participação dos pais na vida on-line dos filhos, tem-se a clara ausência de parte considerável daqueles em relação às atividades praticadas por esses na internet, conforme mostra a já citada pesquisa CETIC – TIC Kids Online 2018, realizada com um público de 9 a 17 anos, a qual revela que apenas 51% dos pais ou responsáveis sabem muito das atividades dos entrevistados na internet, o que preocupa já que cerca de 70% disseram que começaram a usar a internet até os 12 anos de idade, muito cedo e em uma fase onde estão especialmente vulneráveis, outro dado preocupante é em relação à orientação recebida dos pais ou responsáveis quanto ao uso da internet, apenas 71% disseram ter recebido dos pais qualquer tipo de orientação quanto a usar a internet com segurança.

Outrossim, também é válido lembrar que ao contrário dos filhos que são nativos digitais, muitos pais não tem tanto conhecimento sobre as peculiaridades e os perigos do tratamento de dados pessoais realizado para práticas nocivas e que as empresas até hoje disponibilizam termos de uso extremamente genéricos, pouco explicativos e nada didáticos para os usuários o que criou uma verdadeira cultura de aceitar sem ler, ainda mais quando estão dentro de um site que usa da prática do “take it or leave it” como forma de reforçar essa prática cultural, uma vez que não aceitar representa uma exclusão daquele serviço, sobre isso segue:

"No entanto, conforme é sabido, o contexto da sociedade tecnológica atual trouxe uma realidade onde os pais – por terem menos tempo em contato profundo com a tecnologia como é conhecida hoje – tendem a ter uma menor expertise no uso dessas tecnologias do que os próprios filhos, que já nascem nesse contexto. Por esta razão, tornou-se padrão a prática de ler e aceitar termos de uso de diversas plataformas, sem realmente ter-se lido os referidos termos. Assim, da mesma forma que os pais consentem com a coleta de seus próprios dados sem que entendam a real finalidade e uso desses dados coletados, passam a consentir também com a coleta dos dados dos seus filhos." (YANDRA; SILVA; SANTOS, 2019, p. 239)

Logo, é possível inferir que o texto da LGPD não pareceu levar em consideração essa realidade ao deixar uma das mais importantes questões, a verificação da veracidade do consentimento dos pais ou responsáveis, que é essencial para a lógica da necessidade desse para o tratamento de dados de crianças, disposta de uma forma tão vaga.

5.CONCLUSÃO

O que se conclui do texto é que o artigo 14 da lei 13.709/2018 não é capaz, pelo que foi discutido e apresentado, de atingir sua finalidade, que é de tutelar o tratamento de dados pessoais de crianças e adolescentes no Brasil, assim não garantindo de maneira suficiente e adequada os direitos que a LGPD busca resguardar para essa parcela da população, pois leis em desacordo com a necessidade desse público e dos próprios pais, além de pedir coisas muito complexas por meios muito simplificados e genéricos.

Isso ficou claro pois a lei ao silenciar-se sobre estes acaba por excluir os adolescentes, no § 1º do artigo 14, da proteção prevista nos 6 parágrafos do mesmo artigo e assim, não traz legislação específica para esses em seu texto além do caput do artigo, os quais precisam, uma vez que são indivíduos que precisam ser protegidos a mais que os adultos em face de serem seres humanos mais suscetíveis aos malefícios da internet e estarem ainda em fase de desenvolvimento, uma legislação específica dentro da Lei Geral de Proteção de Dados mais de acordo com a realidade e as especificidades por que passam os adolescentes poderia ser uma opção, diferenciando-os das crianças, tal qual faz o Código Civil e ainda vai de encontro à incapacidade civil do CC/2002, tanto para a absoluta quanto para a relativa.

E também, pois a maneira que a lei exige a verificação e comprovação do consentimento dado por um dos pais ou pelo responsável é genérica no § 5º, onde não indica a forma precisamente ao dizer em seu texto “consideradas as tecnologias disponíveis” fazendo com que a norma fique “incompleta” uma vez que seria necessário maior detalhamento dessa parte para garantir que esse dispositivo fosse mais facilmente empregado na prática e ainda ignora a alta complexidade do que ela mesmo pede, além de que está longe de estar adequada a realidade atual do uso de internet por crianças e adolescentes em relação ao controle ou acompanhamento parental das atividades dos filhos, uma vez que muitos pais não acompanham a vida on-line da sua prole, portanto a lei considera, erroneamente, que basta pedir que as empresas busquem a validade da verificação de um jeito não definido e que os pais acompanhem constantemente as atividades dos filhos para dar o consentimento em questão quando necessário, o que, infelizmente não é a realidade de fato da população brasileira.

REFERÊNCIAS

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